RETRATO FALADO
UMA ABORDAGEM PRÁTICAISNARD
MARTINS
Isnard Martins
Os
Fundamentos
Qual
seria o melhor Retrato Falado? Obviamente, como resultado, a própria fotografia do
sujeito pesquisado. No tocante à qualidade final, considerando uma possível
finalização fotográfica do desenho, estaremos, em termos práticos, considerando uma
utopia. O desenho tem aparência bidimensional e a aproximação de uma qualidade
fotográfica exige um esforço redobrado, com risco possível de afastamento do relato da
entrevista com a aparência facial do trabalho final a ser publicado. Por esta razão o
retrato falado na maioria das vezes parece mais uma caricatura que propriamente um
“retrato”. Estaria mais adequado denominarmos o produto final de “Relato
Desenhado”.
Figura1
Retrato Falado produzido por processo manual
Fonte: Ascon/PCERJ -
Divulgação na midia, em 30/07/2003 |
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Figura2
Retrato Falado produzido pelo sistema automatizado do Autor
Modelo hipotético |
A simplicidade de obtenção do modelo manual (figura-1) contrasta com
a qualidade do acabamento e realismo do modelo automatizado (figura-2).
Pretendemos examinar a flexibilidade e a usabilidade do produto final e seu
relacionamento com outros sistemas existentes. Como substituir um método tão
simples e flexível como um desenho produzido por um virtuoso desenhista por um sistema
que atenda às alternativas antropométricas, biótipos, etnias, particularidades faciais,
dinâmica dos modismos sociais e a inflexível rigidez característica dos sistemas não
portáteis, residentes em computadores fixados em seus departamentos de origem. A
substituição do desenho manual pelo programa em computador deve atender a atributos de
usabilidade que satisfaçam a ambos: entrevistado e entrevistador. Dada a subjetividade
natural, característica dos atributos fornecidos pelo entrevistado, a tarefa do
entrevistador interpretá-los de forma correta e transferi-los para o trabalho a ser
desenvolvido produz diversos níveis de dificuldades.
A
diferenciação entre os referenciais dos interlocutores pode introduzir na tarefa muitos
ciclos de tentativa e erro para aproximação da semelhança desejada. A percepção
do modelo mental a ser reproduzido passa por diversos estágios de equalização até que
traduza a melhor identificação da face registrada, ultrapassando as diferenças
culturais, bloqueios e outros fatores impeditivos ou de tempo para finalização do
trabalho. A precisão do Retrato Falado está intimamente relacionada com fatores não
dependentes apenas da boa memória, capacidade de observação ou eventual trauma do
entrevistado.
Van
Dijk (2002) considera a diferença existente entre a representação do evento crítico a
ser relatado e a história do evento. Na última, teremos uma versão do evento já
codificada pelo locutor. Acrescenta ainda que a característica comum a ambos os processos
é o fato de tanto quem testemunha como quem escuta a história construírem uma
representação na memória com base em informações visuais e lingüísticas,
respectivamente. Van Dijk (2002) denominou este processo de Pressuposto Construtivista.
Se no evento relatado são incluídas representações de movimento e som
verbalmente caracterizadas, interpretando o evento a registrado, Dijk denominou a isso de
Pressuposto Interpretativo. Observa que estamos lidando neste caso com o aspecto
semântico do relato. Classificou estes processos de Pressupostos Cognitivos.
O estudo da probabilidade subjetiva, desenvolvido por Cohen (68), oferece
considerável interesse teórico de importância prática como ferramenta para minimizar
tais efeitos. Proporciona método de investigação, oferecendo uma sistemática
conceitual unificada para o estudo de como percebemos, pensamos e aprendemos. Sugere novas
possibilidades para pesquisas comparativas sobre o pensamento, traumas e comportamento.
Cohen
(68) cita que a incerteza se encontra tão inserida em nossas vidas que domina a linguagem
do cotidiano. O nosso falar diário compõe-se, em grande parte, de palavras como
“muitos”, “provavelmente”, “grande”,
“pequeno”. Que significam tais palavras? Os instrumentos estudados
oferecem limites e facilidades para quantificar a imprecisão verbal da entrevista, e,
como tal, deve ser objeto do aprofundamento realizado por estudos ergonômicos.
As combinações possíveis dos atributos faciais (olho, cabeça, boca, nariz,
queixo, cabelo, rugas, sobrancelha, pelos faciais, traços e cicatrizes) produzem uma
incontável matriz de possibilidades distintas de faces alternativas, segundo tamanho,
tipo, altura, largura, cor da pele e presença do atributo na imagem facial desejada.
Por ocasião de uma entrevista, cuja ferramenta para produção do Retrato Falado
é o sistema manual, a percepção mental do detalhe facial (molde) relatado pelo
entrevistado implica uma série de interações no desenho até o seu ajuste final. Estas
interações são executadas com sistema de tentativa e erro, utilizando lápis e borracha
sobre o rascunho.
No sistema automatizado, a interação com detalhes faciais é realizada sobre uma base de
moldes pré-armazenados, que, gradualmente, são selecionados de acordo com as memórias
do entrevistado.
O sistema de navegação do programa necessita de referenciais antropométricos que
relacionem as proporções dos moldes apresentados, oferecendo coerência e distinção
entre as relações do grande e o pequeno, o masculino e feminino, o velho e o novo.
Como o Retrato Falado utiliza apenas a visão frontal como base nos relatos, os
referenciais aplicados aos moldes automatizados estão restritos aos dados apenas
frontais.
O PhotoComposer utiliza referenciais antropométricos de
Bertillon, de 1882, (Galante Filho, 99), com objetivo de oferecer opções coerentes
nas alternativas apresentadas ao entrevistado e boa usabilidade no sistema de navegação
do entrevistador.
Utiliza também para o sistema de buscas em arquivos de reconhecimento
fotográfico, dados antropométricos apresentados por Moraes(1992) em sua tabela de dados
bidimensionais da cabeça, onde são apresentadas informações relacionadas com
características físicas do sujeito pesquisado. Ainda, segundo Moraes (92), os
esquemas antropométricos são de grande valia quando se deseja a construção de
componentes, com base em informações. O uso dos esquemas antropométricos com medidas
dos usuários extremos possibilita a identificação das variações dimensionais de
usuários dotados de perfil atípico. Os moldes são selecionados em páginas
seqüenciadas pelo programa, apresentadas em um mosaico de alternativas, organizadas,
combinando-se as opções primária e secundária dos moldes, conduzidas pelo diálogo do
entrevistador com o sujeito entrevistado. Visando oferecer um recurso que permita ao
entrevistado alterar a sua opção em tempo de modelagem, concentrando sua atenção no
relato, através de sistema de controles independentes, é possível a
“deformação” elástica dos moldes, executada graficamente, após a sua
seleção primária. Esta deformação ajusta-se até o limite exigido pela semelhança do
relato.
Uma implementação interessante solicitada por especificadores
consiste de recursos para realização de movimento assimétrico do molde em relação ao
eixo do rosto. Esta facilidade é particularmente importante quando o suspeito apresenta a
boca ou nariz, por exemplo, ligeiramente deslocados em relação à simetria facial. Um
painel deslizante pode ser solicitado pelo usuário para realização do deslocamento
através dos botões de ajuste. Cada clique no botão representa um pequeno deslocamento
do atributo na direção da seta acionada.
Após a fase de preparação do projeto é inevitável que alguns retoques sejam
aplicados para que se obtenha máxima fidelidade entre o produto final e o modelo mental
descrito pelo entrevistado. Estes retoques são tão particulares que seria impraticável
prevê-los em qualquer escala na fase de modelagem. Visando melhor atender a
finalização, o projeto automatizado deverá prover recursos gráficos para
desenvolvimento da arte final do modelo obtido.
O professor, perito criminal, Albani Borges dos Reis (99) destaca a importância da
entrevista em seu livro Identificação Humana (Capítulo 11 - Bibliografia),
geralmente representando um momento de aflição para o entrevistado. Neste momento, a
habilidade técnica e capacidade de conduzir a entrevista com competência serão
elementos decisivos para obtenção da melhor qualidade do trabalho final. O conhecimento
prévio de técnicas de tratamento gráfico, representado pelos recursos suportados pelo
aplicativo será fundamental para abreviar a confecção do seu modelo.
Constatação do processo de sintetizar a arte através de recursos automatizados,
ou talvez, criar a arte aplicando-se ferramentas distintas da tinta e do pincel. Mas, o
computador poderá substituir um virtuoso artista em seu trabalho manual?
Baseado no artigo do mesmo autor, Ergonomia de ferramentas para reprodução gráfica de imagens
faciais: produzidas pelo homem ou pelo computador? Publicado
nos anais do Congresso Internacional de Design da Informação, setembro 2003, Recife,
Pernambuco, Brasil
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